IRS. União de facto. Opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens (001/A/2013)

Data: 2013-01-11
Entidade: Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira
Proc. R–266/10 (A2)  
 
Assunto: Fiscalidade. IRS. União de facto. Tributação conjunta dos rendimentos do agregado familiar. Domicílio fiscal comum
 
Sumário: Têm vindo a ser apresentadas ao Provedor de Justiça diversas queixas de cidadãos unidos de facto que, embora reunindo as condições estabelecidas pela Lei n.º 7/2011, de 11 de maio (Lei da União de Facto), se veem impedidos do exercício da opção pelo regime de tributação dos rendimentos dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, direito que lhes é conferido pela alínea d) do seu artigo 3.º (alínea d) do n.º 1 do mesmo artigo, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto).
Determina o n.º 2 do artigo 14.º, do Código do IRS (aditado pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro como artigo 14.º – A, posteriormente renumerado) que a aplicação do referido regime de tributação depende da identidade de domicílio fiscal dos sujeitos passivos durante o período exigido pela lei para verificação dos pressupostos da união de facto (dois anos) e durante o período de tributação, bem como da assinatura, por ambos, da respectiva declaração de rendimentos.
Embora na fase inicial da vigência da norma que permite a tributação conjunta dos rendimentos dos unidos de facto a administração fiscal admitisse qualquer meio de prova da situação pessoal invocada pelos sujeitos passivos, a emissão das instruções da Direção de Serviços do IRS, de 14 de julho de 2008, segundo as quais, a fim de «de evitar situações de abuso diagnosticadas no exercício daquela opção por contribuintes que não preenchiam os requisitos da união de facto nos termos da lei respectiva», as únicas provas da união de facto, admissíveis para efeitos de IRS, passaram a ser a identidade de domicílio fiscal e a assinatura conjunta da declaração de rendimentos.
Porém, considerando que:
a) A Constituição da República Portuguesa consagra a proteção da família, independentemente da forma da sua constituição (artigo 36.º, n.º 1), determinando que incumbe ao Estado «Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares» (artigo 67.º, n.º 2, alínea f));
b) O princípio da capacidade contributiva impõe que a tributação do rendimento das pessoas singulares seja «único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar» (n.º 1 do artigo 104.º, da Constituição da República Portuguesa), independentemente da forma da constituição do agregado familiar, por casamento ou por união de facto;
c) O princípio da igualdade (artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa) a que estão obrigadas todas as funções estaduais, em face de que a vinculação da administração àquele princípio implica, nomeadamente «[a] proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coativas desiguais (encargos ou sacrifícios) na esfera jurídica dos cidadãos (igualdade na repartição de encargos e deveres»;
d) O princípio da capacidade contributiva revela-se impeditivo da consagração de presunções absolutas de tributação, como foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 348/97 – processo n.º 63/96 e que o artigo 73.º, da LGT, dispõe que «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário.»;
e) O artigo 14.º do Código do IRS, enquanto norma de incidência pessoal, contém no seu n.º 2 a presunção de que, não tendo os sujeitos passivos o domicílio fiscal comum pelo período ali mencionado, não podem ser considerados como unidos de facto, para efeitos de aplicação de um regime de tributação que lhes pode ser mais vantajoso e pelo qual podem optar, na declaração de rendimentos. Pelo que ficou dito na alínea d), supra, tal presunção não pode deixar de ser ilidível.
f) A constituição e a produção de efeitos jurídicos da união de facto não carece de prova documental ad substantiam, cuja falta implicaria a sua nulidade, como o prova o facto de, contrariamente ao que acontece em outros ordenamentos jurídicos, os efeitos jurídicos dela derivados não dependerem de contrato escrito ou de inscrição em qualquer registo (civil ou de outra natureza);
g) A comunicação de qualquer alteração do domicílio fiscal se reporta exclusivamente ao âmbito formal da relação jurídico-tributária (n.º 2 do artigo 43.º, do CPPT), pelo que não poderá a falta daquela comunicação ter efeitos materiais sobre a situação dos sujeitos passivos, como sejam os de impedir a aplicação de um determinado regime legal de tributação.
recomendou o Provedor de Justiça:
1. A revisão das instruções transmitidas aos Serviços de Finanças, em 14/07/2008, sobre a temática em apreço, por forma a permitir a prova da união de facto dos sujeitos passivos que pretendam exercer a opção pelo regime de tributação dos sujeitos passivos casados e não separados judicialmente de pessoas e bens, por qualquer meio legalmente admissível;
2. A revisão oficiosa, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, das liquidações de IRS efetuadas em nome dos sujeitos passivos a quem foi recusada a aplicação do regime da tributação conjunta dos rendimentos, desde logo – mas não só – dos que tenham atempadamente deduzido reclamação graciosa contra as liquidações emitidas segundo o regime de tributação separada dos rendimentos familiares, apresentando a prova da sua união de facto, por período superior a dois anos, independentemente de terem (ou não) domicílio fiscal comum, pelo mesmo período temporal;
 
Fontes:
– Artigos 13.º, 36.º, n.º 1, 67.º, n.º 2, alínea f), e 104.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
– Artigo 14.º, n.º 2 do Código do IRS;
– Artigos 43.º, n.º 2 e 64.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
– Artigos 19.º e 73.º da Lei Geral Tributária;
– Artigo 117.º do Regime Geral das Infrações Tributárias;
– Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (Lei da União de Facto).
 
 
  
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Sequência: Não acatada