Novo regime de vinculação, carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas. Transição.

Data: 2009-10-18
Entidade: Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.
Tipo de decisão: Ofício

Ex.ma Senhora
Sua referência Sua comunicação Nossa referência
Proc. R-4890/09 (A4)
Assunto: Reclamação recebida na Provedoria de Justiça em 24.9.2009. Novo regime de vinculação, carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas. Transição.

 
Reportando-me à reclamação em referência, cumpre-me informar, em primeiro lugar, que, dizendo a queixa respeito tão só a aspectos do regime jurídico aplicável à situação de V.Exa. e constando os elementos de facto relevantes da documentação junta à reclamação, foi dispensada, para a respectiva apreciação, a realização formal de instrução mediante audição do Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP (IEFP).

Em síntese, através da reclamação em causa pretende V.Exa. a intervenção deste órgão do Estado no sentido de que a transição para as novas carreiras e categorias, realizada por força da aplicação do novo regime aprovado pela Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, tenha por referência as funções que vinha exercendo em regime de contrato individual de trabalho e, designadamente, as remunerações superiores auferidas por virtude do seu exercício e não a carreira e categoria que detinha enquanto funcionária pública. Invoca, para tanto, que:

– manteve-se ao serviço do mesmo organismo e a desempenhar as mesmas tarefas;
– o regime de transição para os novos vínculos e carreiras prevê a manutenção da remuneração anteriormente auferida;
– está em causa uma decisão especialmente “lesiva”, na medida em que ser-lhe–ão aplicáveis condições mais desfavoráveis no cálculo da pensão de aposentação, ao invés do que sucederia se se tivesse aposentado antes da entrada em vigor do novo regime de vínculos, carreiras e remunerações.

Resulta, pois, da aludida reclamação que V.Exa. realizou a opção prevista no n.º 2 da Portaria n.º 66/90, de 27 de Janeiro, ou seja, enquanto funcionária do quadro de pessoal anexo ao Decreto-Lei n.º 193/82, de 20 de Maio, optou pelo exercício, em regime de comissão de serviço, de funções correspondentes às de carreiras definidas para o contrato individual de trabalho.

Assim sendo, a tal exercício de funções passou a ser aplicável o Estatuto do Pessoal do IEFP, bem como as normas e princípios que regiam o contrato individual de trabalho. De todo o modo, ao manter-se no seu quadro de origem, conservou também o respectivo estatuto, designadamente o regime de protecção social então aplicável aos funcionários e agentes da administração pública.

Posteriormente entrou em vigor a Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (LVCR), a qual veio estabelecer os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e abrangeu todos os trabalhadores nestas condições, “independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções” (art. 2.º, n.º 1).

Trata-se de regime aplicável aos institutos públicos, nos termos do respectivo art. 3º, n.º 1, bem como do art. 6º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei Quadro dos Institutos Públicos), na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que determina a aplicabilidade a estes organismos, “quaisquer que sejam as particularidades dos seus estatutos e do seu regime de gestão”, do regime jurídico dos trabalhadores que exercem funções públicas.

No que se revela de interesse para a questão objecto da reclamação em análise, determina-se no novo regime que a relação jurídica de emprego público constitui-se por nomeação – reservada às funções contempladas no art. 10.º – ou por contrato de trabalho em funções públicas (art. 9.º).

A título transitório, estipula-se a transição para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, quer dos “actuais trabalhadores contratados por tempo indeterminado”, quer dos “actuais trabalhadores nomeados definitivamente”, desde que, em ambos os casos, se trate de trabalhadores que “exercem funções em condições diferentes das referidas no art. 10.º” (art. 88.º, ns. 3 e 4).

Aplicado ao IEFP, IP, este novo regime tem por efeito que todo o pessoal, mesmo o que se encontrava totalmente abrangido pelo regime do contrato individual de trabalho (quer por ter sido contratado ao abrigo deste regime, quer por ter optado pela desvinculação da função pública) passou a estar abrangido pelo regime de contrato de trabalho em funções públicas. Tal transição produziu efeitos a 1.1.2009, nos termos das disposições conjugadas do art. 109.º, n.º 2, da LVCR e do art. 23.º da Lei n.º 59/2008, de 11 de Setembro, que aprovou o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

A primeira questão colocada reside em saber se, em tal transição, V.Exa. não poderia (ou deveria) manter a remuneração que vinha auferindo pelas funções exercidas com sujeição ao regime do contrato individual de trabalho.

A este propósito convirá notar que, nos termos do disposto nos arts. 95.º a 100.º da Lei n.º 12-A/2008, a transição para as novas carreiras e categorias é efectuada tendo por base a carreira e categoria em que os trabalhadores se encontram integrados na data da produção de efeitos de tal transição (ou seja, 1.1.2009).

Assim, dispõe o art. 100.º, n.º 1, da referida Lei que transitam para a categoria de assistente operacional da carreira geral com a mesma designação “os actuais trabalhadores que (…) se encontrem integrados nas carreiras de pessoal auxiliar de regime geral”. Ora, àquela data, V.Exa. encontrava-se integrada na carreira de pessoal auxiliar do regime geral da função pública, com a categoria de auxiliar administrativo.

Por seu turno, as funções exercidas em regime de contrato individual de trabalho revestiam natureza transitória e não correspondiam à carreira em que se encontrava integrada.

Acresce, por outro lado, que o novo regime não permite a manutenção daquela situação transitória, já que não contempla qualquer figura de mobilidade que lhe corresponda. Para alcançar tal conclusão, convirá ter em consideração o seguinte:

1. A Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública (incluindo os institutos públicos) determinava a aplicação, com adaptações, do regime da cedência especial aos casos em que um funcionário ou agente de um quadro de pessoal de uma pessoa colectiva pública passa a exercer funções nessa mesma pessoa colectiva em regime de contrato de trabalho (art. 24.º).
2. Ora, uma vez que a Lei n.º 23/2004 impunha a sua prevalência “sobre quaisquer normas especiais aplicáveis aos contratos de trabalho no âmbito das pessoas colectivas públicas, designadamente sobre as normas previstas nos respectivos estatutos”, é forçoso concluir que, a partir da entrada em vigor desta lei, deixou de ser aplicável a figura da comissão de serviço prevista nas disposições estatutárias do IEFP, assim como nas de muitos outros institutos, ao desempenho, por funcionários e agentes, de funções em regime laboral diferente do aplicável ao seu vínculo de origem.
3. Os arts. 23.º e 24.º da Lei n.º 23/2004 foram revogados pela Lei n.º 53/2006, de 7 de Dezembro [art. 49.º, alínea c)], a qual manteve, no entanto, normas de teor similar no capítulo dedicado à “mobilidade geral”. Assim, o art. 10.º, n.º 2, determinou igualmente a aplicação do regime da cedência especial (com adaptações) “aos casos em que o funcionário ou agente de um serviço passa a exercer funções nesse mesmo serviço em regime de contrato de trabalho”.
4. Por fim, a Lei n.º 12-A/2008 adoptou um novo regime de mobilidade geral, agora contido nos respectivos arts. 58.º a 65.º, o que foi acompanhado da revogação das normas da Lei n.º 53/2006 que regiam a matéria (art. 32.º, n.º 4, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e art. 118, n.º 5, da Lei n.º 12-A/2008). Nenhuma das figuras de mobilidade actualmente em vigor tem o conteúdo da anterior “cedência especial”: a agora denominada cedência de interesse público passou a ser aplicável exclusivamente às situações em que “um trabalhador de entidade excluída do âmbito de aplicação objectivo da presente lei deva exercer funções, ainda que a tempo parcial, em órgão ou serviço a que a presente lei é aplicável e, inversamente, quando um trabalhador de órgão ou serviço deva exercer funções, ainda que no mesmo regime, em entidade excluída daquele âmbito de aplicação” (art. 58.º, n.º 1).
5. Assim, estando o IEFP, como se disse, sujeito à aplicação da Lei n.º 12-A/2008 relativamente a todos os trabalhadores, aos quais passou a ser aplicável o regime do contrato de trabalho em funções públicas, não é possível manter qualquer pessoal a exercer funções, ainda que transitoriamente, ao abrigo do regime do contrato individual de trabalho.

Invoca, depois, V.Exa, que, por força da transição para o novo regime de contrato de trabalho em funções públicas nos moldes referidos, será prejudicada no cálculo da pensão de aposentação, na medida em que não serão consideradas as remunerações superiores anteriormente recebidas.

O certo é, porém, que tais remunerações não poderiam em qualquer caso relevar para o cálculo da pensão de aposentação. Ou seja, ainda que, como refere, tivesse requerido a aposentação em Dezembro de 2008, a pensão não seria calculada com base nas remunerações efectivamente auferidas em regime de contrato individual de trabalho.

Note-se que o art. 23.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 23/2004, referida supra, prevê, no que respeita ao regime de segurança social aplicável às situações de cedência especial, que o funcionário ou agente cedido tem direito “a optar pela manutenção do regime de protecção social da função pública, incidindo os descontos sobre o montante da remuneração que lhe competiria no cargo de origem”.

Do mesmo passo, o art. 9.º, n.º 5, alínea b), da Lei n.º 53/2006, que, como se referiu, revogou o regime de cedência especial anterior, mantendo, no entanto, normas de teor similar, reconheceu ao funcionário ou agente nestas condições o direito a optar pela manutenção do regime de protecção social da função pública, “incidindo os descontos sobre o montante da remuneração que lhe competiria na categoria de origem”.
Mesmo em momento anterior à entrada em vigor das normas citadas se concluía em sentido idêntico. Assim, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, no Parecer nº 43/96, proferido a propósito de situação paralela ocorrida no Instituto Nacional de Estatística, veio entender que “este pessoal mantém-se submetido ao regime do Estatuto da Aposentação, e, em princípio, ao que dispõem os seus artigos 11º, n.º 3 e 44, n.º 2, ou seja, descontam pela remuneração correspondente ao cargo pelo qual estiveram inscritos na Caixa, e a aposentação efectivar-se-á pelo lugar de origem”.

O exposto não prejudica, naturalmente, a possibilidade de V.Exa. solicitar à Caixa Geral de Aposentações a devolução dos descontos efectuados sobre as remunerações auferidas e que não relevarão para a aposentação.

Compreenderá, assim, V.Exa. que, em face das razões expostas, não se descortina possível a intervenção deste órgão do Estado no sentido pretendido.

Com os melhores cumprimentos,
A Provedora-Adjunta de Justiça

 
 
Helena Vera-Cruz Pinto
 
 
(1) – A redacção originária da norma determinava aplicável aos institutos públicos “o regime jurídico da função pública ou o do contrato individual de trabalho, de acordo com o regime de pessoal aplicável”.
(2) – Com excepção das entidades previstas no art. 1.º, n.º 3.
(3) – A qual, nos termos do art. 31.º, ocorreu 30 dias após a data da sua publicação.
(4) – Aplicável por remissão do art. 10.º, n.º 2.
(5) – Votado em 6 de Fevereiro de 1997 e homologado em 31 de Março seguinte, publicado na IIª Série do Diário da República, em 4 de Julho do mesmo ano

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