Declaração da Provedora de Justiça sobre o estado de emergência/Covid-19

Neste momento tão grave da nossa vida colectiva são muitos os cidadãos que se interrogam sobre o sentido e o alcance do Estado de Emergência, decretado no passado dia 18 por Sua Excelência o Presidente da República. As interrogações, associadas a naturais sentimentos de inquietação e apreensão, são em si mesmas mais que justificadas. Nunca antes, durante os quase quarenta e quatro anos de vigência da Constituição da República, se tinha sentido a necessidade de recorrer a este instrumento excepcional de ordenação das relações sociais. A necessidade surgiu agora.

O Provedor de Justiça, enquanto titular de uma instituição do Estado à qual está atribuída a função primacial de velar pelo cumprimento da legalidade democrática e pela defesa dos direitos dos cidadãos, tem a obrigação especial de elucidar todos aqueles que, com justificado motivo, se interrogam sobre os fundamentos e as características da particular situação jurídica que desde ontem vigora no nosso país. É neste contexto que se compreendem os esclarecimentos que se seguem.

1. O Estado de Emergência não implica a suspensão da Constituição. Pelo contrário: a possibilidade do seu decretamento é prevista pelo próprio texto constitucional (artigo 19.º), em certas situações extremas que ameacem gravemente o normal desenvolvimento da vida em sociedade. A calamidade pública é uma delas.

2. O Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, que declara por 15 dias o Estado de Emergência para todo o território nacional, fundamenta-se na verificação de uma situação de calamidade pública, ocasionada pelo surto pandémico associado à doença Covid-19.

3. A declaração do Estado de Emergência visa uma finalidade bem precisa. Consiste ela em proporcionar às autoridades públicas meios de direito excepcionais, diversos daqueles que estão ao seu dispor em situações de normalidade, para que o mais rapidamente possível se consiga debelar a calamidade que se abateu sobre a vida de todos nós. O Estado de Emergência não procura atingir outro fim que não seja o da reposição, mais breve quanto possível, da situação perdida de regularidade constitucional.

4. Para prosseguir tal finalidade, suspendem-se ou limitam-se nestas situações direitos e liberdades que exercemos quotidianamente, e, que por serem fundamentais, não poderiam ser suspensos por qualquer outro modo ou em quaisquer outras circunstâncias.

5. Estando em causa, face à presente calamidade pública, a necessidade imperiosa de se conter a propagação da doença Covid-19 e de assim se salvar vidas, os direitos e liberdades cujo exercício fica, a partir de agora, temporariamente suspenso são aqueles e apenas aqueles que o  Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 identifica. A liberdade de circulação em todo o território nacional, liberdade essa que sempre exercemos sem quaisquer restrições, encabeça a lista. Toda ela, porém, é justificada pela necessidade de se conter o risco de contágio da doença, e de permitir ao Governo – a quem cabe executar o Estado de Emergência – a gestão centralizada da crise, com a adopção das medidas necessárias para a prevenção e o combate da epidemia.

6. Uma vez que a Constituição se não encontra suspensa, como se não encontram suspensos os valores basilares da nossa democracia, prevê a Lei  aqui aplicável – a Lei n.º  44/86, de 30 de setembro – que haja instituições em “sessão permanente“, “com vista ao pleno exercício das suas competências de defesa da legalidade democrática e dos direitos dos cidadãos.” A Provedoria de Justiça é uma delas, juntamente com a Procuradoria-Geral da República. Assim, todos os serviços do Provedor de Justiça, à excepção do atendimento presencial, se mantêm em plena actividade. Estamos prontos para responder a quaisquer perguntas, queixas ou reclamações que os cidadãos entendam dirigir-nos.

A declaração do Estado de Emergência é apenas um meio de que dispomos para fazer face ao perigo grave com que hoje somos confrontados. Só por si, não o erradicará. Por isso mesmo, não nos isenta da responsabilidade que cada um de nós deve assumir, perante si próprio e perante o seu próximo, na salvaguarda da saúde e da vida. O espírito de lealdade à comunidade à qual pertencemos, e o espírito de humanidade nas relações que entabulamos com todos os outros, guiar-nos-á na superação desta dura prova. 

 

A Provedora de Justiça,

Maria Lúcia Amaral