Provedor de Justiça recomenda ao Ministro das Finanças que promova o aperfeiçoamento do regime de reposição de dinheiros públicos, especialmente quando está em causa a retribuição de trabalho

O Provedor de Justiça recebeu diversas queixas apresentadas por trabalhadores que exercem funções públicas, relativas a decisões de reposição de montantes avultados que foram estavelmente abonados como contrapartida da prestação de trabalho, durante períodos que podem ascender a cinco anos, com base em decisões ou normas regulamentares de cuja validade os trabalhadores não colocam em causa.
Mercê da densidade e complexidade das normas jurídicas aplicáveis, verificou-se que a confiança na validade de tais decisões era partilhada pelos órgãos administrativos responsáveis pelo processamento das retribuições, só mais tarde vindo a ser posta em causa, por exemplo, na sequência da realização de auditorias ou ações inspetivas. Raros foram os casos expostos ao Provedor de Justiça em que a ilegalidade dos pagamentos de remunerações e abonos a repor era manifesta ou não podia ser contestada à luz de atendíveis argumentos jurídicos. 
O Provedor de Justiça observou também que, frequentemente, os órgãos ou serviços se limitavam a comunicar aos interessados que fora determinada a reposição de um certo montante ou abono – sem explicitar os motivos pelos quais se considerara que tais quantias eram indevidas –, e que os montantes a repor seriam deduzidos da retribuição mensal dos trabalhadores.
A instrução destes procedimentos de queixa evidenciou, assim, a pertinência de promover uma revisão do Regime de Administração Financeira do Estado, com vista a uma mais equilibrada conciliação do interesse público na recuperação de verbas indevidamente despendidas com o direito fundamental à retribuição do trabalho, à luz dos princípios da juridicidade administrativa, da segurança jurídica, da tutela da confiança e da boa fé. Concluiu, em especial, este órgão do Estado que se impunha definir claramente os procedimentos e limites a que deve obedecer a reposição de verbas indevidamente recebidas através de compensação com créditos remuneratórios. Mas urgia também clarificar o prazo após o qual se pode confiar na estabilização dos atos de processamento de remunerações, tendo em devida consideração as profundas alterações introduzidas no regime de anulação de atos administrativos pelo novo Código de Procedimento Administrativo, que resultaram de uma reforma ponderada e devidamente autorizada pela Assembleia da República.
Na sequência das intervenções do Provedor de Justiça sobre esta matéria, foi publicado o Decreto-Lei n.º 85/2016, de 21 de dezembro, que introduziu alterações no Regime de Administração Financeira do Estado, em parte acolhendo as propostas e recomendações deste órgão do Estado.
Em face dos prazos previstos no novo Código do Procedimento Administrativo para anulação de atos administrativos constitutivos de direitos à obtenção de prestações pecuniárias, a solução legislativa entretanto adotada quanto ao prazo de prescrição da obrigação de repor dinheiros públicos indevidamente recebidos continuará, pois a merecer a atenção deste órgão do Estado.
A recomendação n.º 6/B/2016 pode ser consultada aqui.