Concurso de recrutamento de técnico superior na área agronómica – Aviso n.º 1083/2010, referência 1/ADA

Data: 2012-09-25
Entidade: Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.
Tipo de decisão: Anotação

ANOTAÇÃO
Entidade visada: Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P.
Assunto: Concurso de recrutamento de técnico superior na área agronómica – Aviso n.º 1083/2010, referência 1/ADA.
Objeto: Direito de acesso a emprego público. Restrição da liberdade de acesso. Requisitos legais de admissão. A natureza taxativa das causas de exclusão dos candidatos. Princípio da liberdade probatória. Métodos de seleção obrigatórios em função do tipo de candidatos. Violação do princípio da igualdade. Da aplicação ilegal e em desvio de poder do método da avaliação curricular à candidata com contrato de avença com o IFAP, I.P.
 

I

1. Foi apresentada queixa ao Provedor de Justiça relativamente ao concurso de recrutamento de um técnico superior na área agronómica, aberto pelo Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), I.P., em 18.1.2010, pelo Aviso n.º 1083/2010 – referência 1/ADA (DR., 2.ª série, n.º 11, de 18.1.2010, pp. 2333 a 2336).
2. Na instrução da queixa, consultou-se o processo do concurso nas instalações do IFAP, I.P., e ouviu-se o Presidente do IFAP, I.P.
3. Detetaram-se ilegalidades várias no concurso, atentas as quais se interpelou o Presidente do IFAP, I.P., a promover a respetiva invalidade. O mesmo não acolheu o proposto, mantendo o concurso. Juntou ao processo o contrato que, no entretanto, celebrou com a candidata com anterior contrato de avença ao IFAP, I.P. A situação foi levada ao conhecimento do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa por se entender que a situação justifica ação judicial pública.
 

II

4. Da violação do direito de acesso a emprego público. No concurso, foi violado o direito de acesso a emprego público (artigo 47.º, n.º 1 e n.º 2, da CRP). O concurso foi organizado e conduzido em termos que impossibilitaram os seus candidatos de disputar o emprego objeto do mesmo: i) 33 candidatos, num universo de 85, foram excluídos por motivos outros que não os requisitos legais para o exercício de funções públicas; ii) depois, por aplicação do método de seleção da avaliação curricular aos candidatos a quem não poderia ser legalmente aplicado, o júri reduziu para 3 candidatos o conjunto dos restantes 52 candidatos.
5. Da violação do “numerus clausus sob forma legal ex vi artigo 18.º, n.º 2 [da CRP] (reserva de lei restritiva) e 47º nº 2 CRP (direito de acesso à função pública)” das causas de exclusão dos candidatos. Os requisitos de admissão ao exercício de funções públicas estão sujeitos a reserva de lei parlamentar restritiva (artigos 18.º, 47.º e 165.º, n.º 2, alíneas b) e t), da CRP) : apenas os requisitos fixados na lei podem ser causa de exclusão. Os requisitos de recrutamento e, concomitantemente, de admissão ao concurso são, para além das habilitações académicas , os estabelecidos no artigo 8.º da Lei n.º 12-A/2010, de 27.02 (LVCR) . Quer no aviso de abertura do concurso (n.ºs 14.2 e 14.3) quer pelas deliberações do júri de 19.4.2010 e 26.4.2010, o IFAP., I.P., adotou exigências – tais como apresentação de comprovativos da formação profissional, cópia do cartão de identificação fiscal, a indicação de endereço eletrónico no formulário de candidatura… – que a lei não prevê, nem considera como requisitos de admissão ou como causas de exclusão (artigo 266.º, n.º 2, da CRP, artigo 3.º, n.º 1, do CPA).
Não são requisitos de admissão os documentos relativos à prova do seu preenchimento , que têm relativamente a estes uma natureza instrumental. A Administração não tem o poder de dispor ou dizer quanto aos meios de prova admissíveis; “um tal poder dispositivo não existe para quem dirige o procedimento administrativo” , devendo admitir e considerar todas as provas úteis para os apuramentos dos requisitos (legais) – artigos 87.º n.º 1, e 88.º, n.º 2, do CPA . A exclusão só pode ocorrer quando se demonstre, de forma inequívoca e com inteira segurança que os candidatos não preenchem os requisitos legais.
As múltiplas exigências formais erigidas, pelo IFAP, I.P., a requisitos de admissão não relevam para a prova dos, poucos, requisitos que são os requisitos legais de admissão a concurso ou de recrutamento. Tratando-se de documentos que não servem, não são idóneos, para a prova dos requisitos de admissão a sua exigência contende com a dimensão primeira do princípio da proporcionalidade, da adequação ou idoneidade dos meios (artigos 18.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, da CRP e artigo 5.º, n.º 2, do CPA; e artigo 266.º, n.º 1, da CRP e artigo 4.º do CPA).
6. Do afastamento do método de seleção obrigatório prova de conhecimentos. O IFAP aplicou o método de seleção avaliação curricular a todos os candidatos. O artigo 53.º, n.ºs 1 e 2, da LVCR, apenas permite a aplicação deste método aos candidatos que tendo uma relação jurídica de emprego por tempo indeterminado, sejam, como tais, titulares da categoria a que respeita o posto de trabalho a que se destina o recrutamento, encontrem-se ou tenham-se por último encontrado, se estiverem em situação de mobilidade especial, “a cumprir ou a executar a atribuição, competência ou atividade caracterizadoras dos postos de trabalho para cuja ocupação o procedimento foi publicitado”. Ora, o IFAP, I.P., aplicou o método da avaliação curricular aos candidatos que não reuniam qualquer uma destas condições. Ao assim atuar, para além da violação das normas dos n.ºs 1 e 2, da LVCR, violou, também, o princípio da igualdade (artigo 47.º, n.º 2, da CRP), uma vez que, na falta do exercício funcional prévio relevado pela avaliação curricular, a aplicação deste método consequenciava, à partida, um resultado, necessariamente, negativo ou desfavorável para a generalidade dos candidatos ao concurso, que se traduziu, no caso, em nota negativa para 52 candidatos dos 55 candidatos a que foi aplicado.
7. Da aplicação do método da avaliação curricular à candidata com contrato de avença com o IFAP., I.P., posicionada em primeiro lugar no concurso. A candidata com contrato de avença com o IFAP, I.P., aquando da abertura do concurso não tinha uma relação jurídica de emprego constituída com empregador público (o contrato de prestação de serviços não é um título da relação jurídica de emprego público – artigo 9.º da LVCR). Não reunia a primeira das condições do artigo 53.º, n.º 2, para ser submetida a avaliação curricular. Com a aplicação deste método, o IFAP, I.P, valorou o prévio exercício de funções da mesma como prestadora de serviços em funções correspondentes ao posto de trabalho a concurso. Apenas por força da aplicação ilegal deste método conciliado com a entrevista profissional de seleção – método de seleção facultativo –, ficou posicionada em primeiro lugar.
8. Da inexistência de circunstâncias que permitissem a aplicação de um único método de seleção obrigatório. O artigo 53.º, n.º 4, da LVCR, prevê a possibilidade de aplicação de um único método de seleção, de entre dois obrigatórios (para cada universo de candidatos), dependente da existência de um quadro excecional, que exemplifica com a impraticabilidade de aplicar dois métodos a um número muito elevado de candidatos . O n.º 20 do aviso de abertura, anteriormente ao conhecimento do número de candidatos, antevê um número elevado destes e alude à “necessidade de repor a capacidade de resposta do IFAP., I.P.”. Com base nestes motivos, o IFAP, I.P., afastou métodos de seleção obrigatórios (para além da avaliação curricular, o método da avaliação psicológica e o da entrevista de avaliação de competências). Mas aplicou (numa demonstração de injustificabilidade da dispensa de dois métodos) um outro método de seleção, facultativo, a entrevista profissional de seleção. À data da abertura do concurso não era possível assentar no pressuposto de um elevado número de candidatos (uma antevisão não é um pressuposto) e a necessidade de repor a capacidade de resposta do IFAP., I.P., é a causa ordinária (não excecional) de qualquer recrutamento. O método de seleção típico dos concursos de massas é a prova de conhecimentos (ademais legalmente obrigatória no caso, como visto), uma vez que a avaliação curricular envolve a análise necessariamente morosa de múltiplos documentos assim como várias operações de subsunção. Os pressupostos da lei – quadro excecional de circunstâncias e impossibilidade de aplicar os dois métodos de seleção obrigatórios – não estavam verificados, sendo patente a ilegalidade da aplicação do artigo 53.º, n.º 4, da LVCR. E, sobretudo, este não habilita a Administrativa a escolher os métodos de seleção que bem entenda mas apenas a escolha de um por cada dois dos métodos obrigatórios em função do universo dos candidatos.
9. Da ocorrência de desvio de poder. O fim concreto prosseguido pelo concurso em causa – invocado pelo Presidente do IFAP, I.P. – é o da “estabilização dos recursos humanos, com a integração de colaboradores experientes”. O concurso de pessoal é um procedimento concorrencial que visa recrutar o trabalhador mais capaz a partir de uma comparação justa e objetiva entre vários candidatos. O fim legal do concurso público de pessoal não é seguramente o de recrutar o indivíduo com prévio vínculo precário com um concreto empregador público. O interesse público legalmente protegido (artigo 266.º, n.º 1, da CRP e artigos 3.º, n.º 1, e 6.º do CPA) é o do recrutamento ótimo e o do recrutamento no respeito da lei. Daqui resulta a ocorrência de desvio de poder, isto é, a divergência entre o fim real prosseguido pelo IFAP, I.P., com o concurso realizado, e o fim legal.
10. Da composição do júri. A lei fixa uma dupla exigência para o júri de um concurso: i) a exigência da imparcialidade; ii) a exigência da especialidade. Preocupa-se, por um lado, com as relações abstratas ou concretas que podem interceder entre os membros do júri e os possíveis candidatos e, por isso, estabelece regras dirigidas a prevenir situações de parcialidade. Por outro lado, tem presente que o recrutamento adequado pressupõe conhecimentos e know-how por parte dos membros do júri na área de atividade do posto de trabalho a concurso, como uma condição de possibilidade (real) da própria avaliação (artigo 21.º, n.ºs 2 e 4, da Portaria n.º 83-A/2009, de 22.1). Esta dupla garantia de imparcialidade e especialidade têm que a ter, sobretudo e em primeira linha, os candidatos. Há uma exigência, pois, inafastável de publicidade. O artigo 20.º, n.º 3, alínea s), da Portaria n.º 83-A/2009, de 22.01, obriga a levar ao aviso de abertura a composição e identificação do júri, composição e identificação, naturalmente, de acordo com os parâmetros normativos do artigo 21.º da mesma Portaria, naquilo que importa. Ora, quer o aviso de abertura do concurso quer o processo do concurso não têm qualquer informação relativa à observância do artigo 21.º, n.ºs 2 e 4, da Portaria n.º 83-A/2009, de 22.1.

III
 

11. As ilegalidades enunciadas configuram o procedimento de recrutamento de um técnico superior na área Agronómica aberto pelo aviso n.º 1083/2010 como uma ficção de concurso. O IFAP, I.P., obstou de forma decisiva e nuclear ao exercício do direito de acesso a emprego público por parte dos candidatos (88 candidatos) ao concurso (que excluiu, ilegalmente, em sede de admissão – 33 – e em sede de avaliação – 52) e predeterminou de forma patente o seu resultado, favorecendo a candidata avençada do IFAP, I.P., afastando o concurso do seu fim legal.
A decisão que ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental é nula (artigo 133.º, n.º 2, alínea d), do CPA e artigo 47.º, n.º 1 e 2, da CRP), assim como o é a decisão a que falta o elemento essencial do interesse público (artigo 266.º, n.º 1, da CRP e artigos 3.º, n.º 1, 133.º, n.º 1, e n.º 2, alínea c), do CPA).
12. Atenta a gravidade do desvalor jurídico da decisão do concurso e, consequentemente, do contrato celebrado pelo Presidente do IFAP, I.P. (artigo 133.º, n.º 2, alínea i), e artigo 134.º do CPA e artigo 294.º do Código Civil) comunicou-se a situação ao Ministério Público junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Em 3.6.2011, foi enviada cópia do processo do Provedor de Justiça, correspondendo ao pedido, por ofício de 24.5.2011, de cópia de documentos, pela Procuradora da República, no âmbito do P.A. n.º 25/2011-M.

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