Provedora de Justiça recomenda ao Governo alteração da lei de conservação de dados

A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, endereçou uma recomendação à Ministra da Justiça no sentido de alterar a Lei n.º 32/2008, de 17 de julho, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações. 
 
A referida lei transpôs para a ordem jurídica nacional uma diretiva europeia (Diretiva 2006/24/CE) declarada inválida em 2014 pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE). 
 
No entendimento do TJUE, reafirmado dois anos depois, ao determinar a obrigação de conservação dos dados – dados de tráfego, de localização e outros dados conexos relativamente às telecomunicações eletrónicas dos cidadãos, à exceção do seu conteúdo – a diretiva violava os direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na medida em que, quando considerados no seu todo, estes dados são suscetíveis de permitir tirar conclusões muito precisas sobre a vida privada das pessoas. 
 
Segundo o Tribunal, uma restrição a direitos fundamentais, como o respeito pela vida privada e familiar, apenas pode ser acolhida se respeitar o princípio da proporcionalidade, pelo que não é admissível “uma conservação generalizada e indiferenciada de todos os dados de tráfego e de todos os dados de localização de todos os assinantes e utilizadores registados em relação a todos os meios de comunicação eletrónica”, como permitia a diretiva. 
 
A partir do momento em que a referida diretiva é declarada inválida pelo TJUE, em 2014, é como se ela nunca tivesse existido. Contudo, em Portugal essa decisão não produziu qualquer efeito sobre a lei nacional de transposição. Com efeito, a Lei n.º 32/2008 permanece em vigor sem alterações, impondo aos fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma rede pública de comunicações a conservação, por um ano, de todos os dados das comunicações eletrónicas de todos os cidadãos.
 
Ora, tal como está, a lei portuguesa viola a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
 
Acresce que, na sequência dos dois acórdãos do TJUE sobre esta matéria, a Comissão Nacional de Proteção de Dados – entidade que a lei determina dever ser a fiscalizadora das condições de conservação dos dados em Portugal – decidiu “desaplicar” a lei nas situações que lhe sejam submetidas para apreciação. 
 
Nestas circunstâncias é legítimo pensar-se que podem agora os operadores de telecomunicações não dispor de qualquer desincentivo para incumprir as obrigações que sobre eles impedem, as quais – de acordo com o Direito da União Europeia – devem corresponder às exigências de garantia de um “nível particularmente elevado de proteção e segurança”.
 
A recomendação da Provedora de Justiça, com vista a conformar a lei com as exigências decorrentes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e sanar o vazio de fiscalização presentemente existente em Portugal, surge na sequência de uma queixa apresentada por uma associação de defesa dos direitos digitais.
 
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