Relatório 2019: Mais de 9 800 novos processos instruídos. Queixas sobre Segurança Social voltam a subir. Condições de detenção continuam a preocupar

Em 2019, a Provedora de Justiça recebeu 51 313 solicitações através da totalidade dos canais à disposição dos cidadãos (mais 6,6% do que em 2018), tendo sido abertos 9823 procedimentos por queixa, o que traduz um aumento de 5% face a 2018.  Comparando com 2017, o crescimento dos novos procedimentos de queixa é de 26%; tomando por referência 2016, o incremento cifra-se em 42%.

Os indicadores de atividade voltaram, portanto, em 2019 a ser os mais elevados da história deste órgão independente do Estado, criado em 1975 para defender as pessoas que se sintam prejudicadas por atos injustos ou ilegais da administração ou outros poderes públicos ou que vejam os seus direitos fundamentais violados.

Estes dados constam do Relatório à Assembleia da República – 2019, hoje entregue, acompanhado do relatório anual referente à atividade desenvolvida pela Provedora de Justiça enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura.

Repartição das queixas por tema(i)

Quanto aos temas mais tratados, voltaram a predominar as reclamações em matéria de Segurança Social, que em 2019 representaram 36% do total de queixas instruídas, após um crescimento de 21%, que se seguiu a subidas de 39% e de 37% em 2018 e 2017, respetivamente. Comparando com 2016, verifica-se que o número de procedimentos de queixa sobre questões relativas aos regimes de proteção social mais do que duplicou, continuando em 2019 a destacarem-se as reclamações sobre atrasos no processamento e pagamento de pensões.

Também tal como em anos anteriores, a segunda matéria mais tratada remete para as Relações de Emprego Público (11% do total das queixas instruídas), seguindo-se a Fiscalidade (10%). Estas três grandes áreas – Segurança Social, Emprego Público e Fiscalidade – absorveram quase 60% da atividade instrutória de queixas em 2019.

Olhando mais de perto, os cinco assuntos mais visados nas queixas foram: condição de acesso e cálculo das pensões de velhice (664 queixas); contribuições, quotizações, dívidas, restituição de  contribuições e de prestações indevidas (642 ); requisitos para acesso à pensão de sobrevivência e a outras prestações por morte (458); direito dos estrangeiros (428) e saúde (357) que, após forte crescimento, de 38% face ao ano de 2018, atingiu o valor mais alto de sempre, em particular devido a queixas sobre atrasos nos pagamentos de comparticipações da ADSE. Seguiram-se execuções fiscais (356), em particular as ordenadas pela Segurança Social, o que motivou uma inspeção no terreno a metade das Secções de Processo Executivo do país; pacotes de serviços de comunicações eletrónicas (260); e deficiência e dependência (256), o que motivou recomendações, emitidas já em 2020, sobre a Prestação Social para a Inclusão e atestados multiuso.  A lista dos 10 temas mais visados nas queixas é ainda integrada pela educação (254), também alvo de recomendação visando o alargamento dos manuais escolares a todas as famílias comprovadamente carenciadas; e pelo IRS (223 queixas), num ano em que se logrou, ao fim de uma década, alcançar um objetivo à volta do qual diferentes titulares do cargo de Provedor de Justiça se haviam batido: uma solução fiscal mais justa para a tributação de rendimentos de anos anteriores recebidos com atraso, designadamente pensões.

No total, estes dez assuntos representam cerca de 40% do total de procedimentos de queixa abertos em 2019.

Repartição das queixas por entidade visada(ii)

Ao longo de 2019, aumentaram as queixas que visaram entidades inscritas na Administração Indireta e Autónoma, alvos de 54% do total dos processos, com destaque, de novo, para o Instituto da Segurança Social. Já o número de queixas dirigidas a entidades pertencentes à Administração Central diminuiu o seu peso relativo face a 2018, passando de 27% para 24%.

Linhas de atendimento dedicado

Ao longo de 2019, foi prestado atendimento presencial ou telefónico em 10 813 situações, a que acresce a atividade do Núcleo da Criança, do Idoso e do Cidadão com Deficiência. Este Núcleo, N-CID, que compreende três linhas telefónicas, de âmbito nacional e gratuitas, consagradas ao atendimento personalizado da população mais vulnerável, recebeu um total de 4108 chamadas telefónicas, mais 5,7% do que no ano anterior. A subida mais expressiva, de 7,4%, observou-se nas chamadas recebidas pela Linha do Cidadão Idoso.

Instituição Nacional de Direitos Humanos

Em Portugal, o Provedor de Justiça é também Instituição Nacional de Direitos Humanos, cabendo-lhe promover e defender os direitos humanos e assegurar que o Estado português cumpre as convenções internacionais que assinou neste domínio. Em 2019, a Provedora de Justiça recebeu Michelle Bachelet, Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, e apresentou, nesta qualidade, relatórios alternativos aos organismos internacionais das Nações Unidas sobre o respeito pelos direitos da criança, sobre tortura e tratamentos desumanos e degradantes, e ainda sobre a aplicação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. A Provedora de Justiça foi igualmente ouvida pelo Comité dos Direitos da Criança, pelo Comité contra a Tortura, e ainda pelo mecanismo de Revisão Periódica Universal.

Mecanismo Nacional de Prevenção

No âmbito da atividade da Provedora de Justiça enquanto Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP) da tortura e tratamentos degradantes, que perfez seis anos de existência em 2019, foi praticamente concluída a reavaliação dos estabelecimentos prisionais do país, tendo-se ainda dado seguimento à observação e reporte das condições de detenção nos Centros de Instalação Temporária e espaços equiparados nos aeroportos, em particular no de Lisboa, e nos Centros Educativos. Realizaram-se ainda algumas visitas a locais de detenção das forças policiais. No total, em 2019, o MNP visitou, sem pré-aviso, 45 locais de detenção, mais três que em 2018, tendo aumentado, igualmente, a duração média das visitas.  Foi igualmente assinado um protocolo com a Ordem dos Médicos que permitiu o início da monitorização das clínicas psiquiátricas existentes no seio do sistema prisional.

Recomendações

A Provedora de Justiça dirige aos órgãos competentes as chamadas de atenção, as sugestões e, por último, as recomendações que considere necessárias para prevenir e reparar injustiças.  Ao longo do ano, a Provedora de Justiça endereçou três recomendações. Num dos casos, o da recomendação de alteração da Lei n.º 32/2008 relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços de comunicações, foi subsequentemente requerida ao Tribunal Constitucional a fiscalização abstrata da constitucionalidade dos seus artigos 4.º, 6.º e 9.º. Na qualidade de Mecanismo Nacional de Prevenção da tortura , foram dirigidas duas outras recomendações sobre Centros de Instalação Temporária e Espaços Equiparados e sobre os cuidados de saúde mental e contactos com o exterior nos Centros Educativos.

Indemnizações – Grandes incêndios de 2017 e colapso de Estrada em Borba

A competência extraordinária atribuída à Provedora de Justiça pelo Conselho de Ministros, no âmbito do processo de indemnização dos familiares das vítimas mortais e dos feridos graves dos incêndios de junho e outubro de 2017, mobilizou intensamente os serviços da Provedoria ao longo de 2018, mas também em 2019. Relativamente às vítimas mortais, o processo indemnizatório dos familiares e herdeiros ficou concluído no fim do verão de 2018, após terem sido admitidos 300 pedidos de indemnização referentes a 115 mortes, tendo o montante global das indemnizações propostas pela Provedora rondado 31 milhões de euros.

O processo relativo às indemnizações devidas aos feridos graves dos incêndios, iniciado em março de 2018, está também praticamente terminado. Foram admitidos e remetidos para o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses 187 pedidos de indemnização, que qualificou como “ferido grave” 75 pessoas, faltando, no momento em que é apresentado este Relatório, complementar a proposta de indemnização num único caso (que já recebeu indemnização intercalar). No total, as decisões da Provedora de Justiça sobre as indemnizações a serem pagas pelo Estado a estes 75 feridos graves elevam-se a aproximadamente 11 milhões de euros.

Já o processo de indemnização dos familiares e herdeiros das cinco vítimas mortais da derrocada da Estrada Municipal 255, ocorrida em Borba em 19 de novembro de 2018, foi integralmente concluído em junho de 2019. Foram 19 os requerentes que entregaram pedidos de indemnização, tendo todos eles aceitado as propostas apresentadas pela Provedora de Justiça. No seu total, as indemnizações pagas pelo Estado rondam 1,6 milhões de euros.

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“A ação do Estado-empregador, do Estado-segurador e do Estado-fisco não pode continuar a consumir quase dois terços de toda a atividade do Provedor de Justiça. A excessiva concentração temática da atividade do Provedor em torno das mesmas três áreas que desde sempre concitaram o essencial da sua intervenção, a manter-se, impedirá a instituição de continuar a ser aquilo que deve ser: um reflexo fidedigno da mutável paisagem social, e, portanto, um instrumento eficaz de comunicação entre o Estado e a Sociedade.


Considero um imperativo do meu mandato a realização da reforma interna da organização da instituição de que sou titular, e de cuja necessidade me fui dando conta ao longo do ano de 2019. É meu dever garantir que a instituição de que sou titular não perca a capacidade para exercer o núcleo essencial de funções que lhe são constitucionalmente cometidas. O cumprimento desse dever impõe-se-me agora como sempre. O tempo incerto que há de vir precisará como nunca de instituições robustas e operantes, se quisermos que ele continue a ser fundado naqueles mesmos valores básicos que, hoje, reconhecemos como nossos.”

Maria Lúcia Amaral, Provedora de Justiça

Órgão do Estado independente criado em 1975, a Provedoria de Justiça defende as pessoas que vejam os seus direitos fundamentais violados ou se sintam prejudicadas por atos injustos ou ilegais da administração ou outros poderes públicos. Simultaneamente, é Instituição Nacional de Direitos Humanos e Mecanismo Nacional de Prevenção da Tortura, devendo assegurar que Portugal cumpre as Convenções e os Protocolos das Nações Unidas assinados neste domínio. A Provedoria de Justiça presta um serviço gratuito e de acesso universal. As queixas podem ser apresentadas por carta, telefone, fax, correio eletrónico ou mediante o preenchimento de um formulário específico disponível no sítio eletrónico, www.provedor-jus.pt.
Maria Lúcia Amaral é Provedora de Justiça desde novembro de 2017.

 

Saiba mais:

A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, foi recebida, em audição, no dia 16 de setembro, às 11h00, pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para a apresentação e discussão do Relatório Anual de Atividades relativo ao ano de 2019, incluindo o Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção.

Para ouvir a audição clique aqui.

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(i)Em 2019, foram abertos 9823 procedimentos, aos quais acresce um por iniciativa da Provedora de Justiça, totalizando 9824.
(ii)O número de entidades visadas, 9965, supera o dos procedimentos abertos, 9823, porque um procedimento de queixa pode visar mais do que uma entidade.